3.1.07

Valor e preço


Picasso e o valor da nota de um dólar
Gazeta Mercantil

3 de Janeiro de 2007 - Recentemente, durante a entrevista de um consultor, ouvi uma história muito interessante. Não sei se é verdadeira, mas isso é menos importante diante de seu teor didático. Diz a história que Picasso, já então um pintor consagrado, recebeu a visita de um marchand interessado em promover uma exposição com seus quadros. Convidado a visitar o atelier do artista, o marchand começa a especular sobre preços.

Marchand: Sr. Picasso qual é seu preço estimado para esta obra?

Picasso: Bem, este é um quadro especial, pois nele retrato minha musa. Na verdade não gostaria de vendê-lo, mas, se for o caso, creio que uns US$ 5 milhões seria um preço justo.

Marchand, com o cenho franzido: Sua musa realmente é muito valiosa. E qual o preço para este outro?

Picasso: Este é apenas um esboço, acho que dá para negociar por cerca de US$ 1,5 milhão.

Marchand, já de cara amarrada: E este?

Picasso: US$ 3 milhões...

Marchand: Sr. Picasso, o senhor é inquestionavelmente um artista maravilhoso, mas vê-se logo que não entende de preços de obras de arte. Suas obras nunca alcançarão esses preços...

Picasso: Não me refiro ao preço e sim ao valor. O sr. tem em sua carteira uma nota de um dólar?

Marchand: Claro, aqui está.

Picasso: Qual o valor desta nota?

Marchand: Obviamente, vale o que está grafado na face: um dólar.

Picasso, autografa a nota e arremata: Você está enganado. Pegue essa nota, apresente ao leiloeiro da Christie’s e pergunte a ele quando vale a nota com a minha assinatura...

Esta pequena fábula ilustra a enorme diferença entre preço e valor. O preço está relacionado a aspectos de custo, concorrência e mercado. Já o valor é pura percepção e esta se relaciona diretamente com as carências do comprador. Por exemplo: quando você pagaria por um copinho de água mineral na praia? E se você estivesse perdido num deserto e subitamente aparecesse um beduíno vendendo o mesmo copinho de água mineral; quanto pagaria por ele?

Hoje vivemos num mundo plano (leiam o espetacular livro do Thomas Friedman a respeito), onde questões de mercado e capacidade são pouco relevantes. A capacidade é levada ao mercado, onde ele estiver, ou o inverso, o mercado vai buscar a capacidade onde ela estiver disponível. Assim, a Embraer vai produzir seus aviões na China e a Índia vende mão-de-obra de programação de computadores offshore para os americanos.

No mundo plano, determinar o valor da capacidade oferecida a um certo mercado é mais importante do que preço e custos. Mais importante do que melhorias incrementais nos produtos é a inovação contínua que interessa, mas não qualquer inovação. Lembram-se do Iridium, o telefone portátil global? Qual o valor reconhecido pelo mercado para o Iridium? Zero!!!

A inovação a ser buscada é a inovação de valor, pois esta permite vender a nota de um dólar por dez. Exemplo: cinema com reserva de lugares. Esse simples conforto, pelo mesmo conteúdo oferecido, vale cerca de 20% a mais no preço do ingresso. Uma inovação de valor gera novas demandas (por exemplo, o comodista que não ia ao cinema para não enfrentar filas, será um novo cliente potencial).

Nosso amigo Picasso enxergava realmente longe. E nós, pobres e meros gestores de negócios, se queremos sobreviver no mundo plano, é bom que comecemos a olhar o mundo pelo ângulo do cliente para entender quais são suas carências latentes e não explicitas. Aí encontraremos o valor escondido que nos diferenciará do concorrente.

(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 5)(Augusto Pinto - Sócio Diretor do Grupo RMA Comunicação & Negócios)