26.3.07

Setor petroquímico, uma longa história de conflitos

O Valor Econômico de 26/03/2007 faz um apanhado interessante sobre os problemas oriundos da operação Ipiranga. A briga, como previsto, será longa. Leia a seguir:

Setor petroquímico, uma longa história de conflitos

O setor petroquímico nunca foi um lugar em que acionistas minoritários pudessem viver sem preocupação. Desde a origem, as petroquímicas brasileiras puderam enxergar o mercado acionário como parceiro para seus investimentos, uma forma barata de levantar recursos. Já o mercado se ressente da forma como, em geral, é tratado por controladores das petroquímicas.

O caso da venda do Grupo Ipiranga é mais um ato nesta peça em cartaz há muitos anos, em que atores entram e saem de cena e no caminho espalham prejuízos para acionistas minoritários sem a menor cerimônia. Nesse movimento de aquisição, contam com o governo como patrocinador desses espetáculos e mais duas empresas que são negociadas no Nível 1 da Bovespa (Braskem e Ultra), faixa onde companhias comprometidas com governança corporativa listam seus papéis.

O recuo dos investimentos da Petrobras no setor petroquímico atropelou minoritários em brigas que até hoje estão penduradas no judiciário e já duram mais de 14 anos. O advogado Carlos Augusto da Silveira Lobo, do escritório Lobo & Ibeas, com forte tradição em disputas societárias, defende um minoritário da Petroquisa que já teve ganho de causa, mas aguarda a resposta do STJ sobre um recurso da Petrobras feito há dois anos. Ele explica que a Petrobras causou prejuízo à Petroquisa porque aceitou moedas "podres" (papéis utilizados na privatização) como pagamento pela venda das participações da empresa.

A Petrobras criou a Petroquisa na década de 60, uma holding para ser o veículo de seus investimentos no setor petroquímico. Ela foi responsável pela implementação das três centrais petroquímicas do país: Petroquímica União, Copene e Copesul. No final da década de 80, a holding já tinha participação acionária em 36 empresas. O modelo societário reunia o governo, por meio da Petroquisa, o empresário nacional e o capital estrangeiro, que dividiam igualmente suas participações. Sua volta ao setor mostra que a empresa pode lançar mão deste mesmo recurso. Na operação da Ipiranga, os minoritários calculam que vão receber por seus papéis um terço do que recebeu o controlador.

Embora seja um nome novo no setor petroquímico, a Braskem traz na bagagem brigas com minoritários por conta da Polialden. A Braskem é resultado da integração de dois grandes e tradicionais grupos do setor petroquímico, Odebrecht e Mariani, que compraram o controle da Copene (a central petroquímica de Camaçari).

A Ipiranga não fez nenhum movimento para se modernizar no mercado de capitais. Continuava uma empresa a moda antiga, com um terço do capital em ações ordinárias (com direito a voto) e dois terços em preferenciais (sem voto) sem direito a "tag along" - divisão do prêmio de controle. A venda da Ipiranga já era esperada há muito tempo, mas muitos gestores de fundos tinham em carteiras ações preferenciais da empresa. Os cotistas desses fundos devem sofrer perdas e seus gestores provavelmente vão recorrer à Justiça para garantir o direito dos investidores.

A Previ, o fundo de pensão que cuida dos investimentos dos funcionários do Banco do Brasil para a aposentadoria, tem uma participação de mais de 20% nas ações preferenciais da empresa. Para os funcionários e aposentados do BB, é fundamental prestar atenção em como a Previ vai se comportar neste episódio, pois o controle do BB é do governo, mas o fundo de pensão deve garantir a aposentadoria dos funcionários, um compromisso de longo prazo em que não é possível cometer grandes erros com o dinheiro.

Na quinta-feira passada, a Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) reuniu seus associados para analisar a operação. Alguns pontos, em especial, foram objetos de apreciação da Amec: a utilização de uma operação de incorporação e não de uma oferta pública de ações para cancelamento de registro; um ágio desproporcional no cálculo da relação de substituição proposta para a incorporação das empresas e; ainda a não divulgação, prontamente, do laudo de avaliação que serviu como base para os valores propostos. O laudo está sendo esperado para os próximos dias.

"Esse modelo de reestruturação causa estranheza e insegurança entre os agentes de mercado e ainda suscita questões de ordem ética, de procedimentos e jurídicas, que serão melhor analisadas por esta Associação com o fim de esclarecer ao mercado o que se deve esperar em operações societárias envolvendo companhias abertas", diz o comunicado oficial da Amec.

O modelo da operação de venda da Ipiranga é, na avaliação de alguns analistas, ainda pior do que aquele que foi proposto pelos controladores da Telemar e que não foi sancionado pelo mercado. O abuso a acionistas minoritários definitivamente não é uma particularidade do setor petroquímico, dizem alguns analistas. "O problema são as ações PN", diz Luiz Gustavo Medina, sócio da Questus Investimentos. "Ação preferencial só existe no Brasil e parece que foi criada apenas para que se faça esse uso arbitrário do controlador sobre o minoritário", acrescenta Medina.