(...) A analista da Corretora Fator Jacqueline Lison fez alguns cálculos para ver até que ponto a OHL fez um bom negócio, ou deu o passo maior do que a perna, ao levar cinco dos sete lotes leiloados, oferecendo descontos enormes nos pedágios. A conclusão é que há grandes chances da companhia ter ganhos com suas novas concessões federais. Nas simulações, a analista considera o custo de capital próprio (via ações) real de 7,5%, o custo de dívida real de 7% e a estrutura de capital da empresa formada 70% por financiamentos.
No primeiro cenário, Jacqueline utilizou as mesmas premissas de custos e investimentos dadas pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). Nessas condições, pelas contas da analista, seria necessário um aumento de 34,4% no tráfego atual de veículos nas cinco concessões para que a OHL saia pelo menos no zero a zero, sem retornos, mas também sem perdas. Já no caso de não haver nenhum aumento sobre o tráfego projetado pela ANTT, ela teria um prejuízo de R$ 1,2 bilhão.
No segundo cenário, em que Jacqueline considerou um desconto de 10% nos investimentos que a empresa deveria fazer nas estradas, seria preciso um acréscimo de 28% no tráfego para que a empresa pelo menos empatasse financeiramente nos cinco novos lotes.
A conclusão, portanto, é que a companhia foi com muita sede ao pote e deu com os burros n'água? Não. Jacqueline acredita que são grandes as chances de o tráfego ser pelo menos 40% acima do projetado pela ANTT. Pelos cálculos, esse percentual seria suficiente para a OHL não ter perdas cobrando pedágios tão baratos e ainda conseguir apresentar algum retorno. No primeiro cenário, a analista da Fator considera que os novos lotes devem aumentar em 9% o valor de mercado (cotação do papel multiplicada pela quantidade de ações) da empresa e, no segundo, em até 11,3%.Em seu relatório, a analista diz ainda que "a OHL é uma empresa experiente, sendo difícil acreditar que tenha errado as contas de maneira tão significativa que faça jus ao forte desconto que os papéis têm sofrido desde o dia do leilão."
Analistas enxergam luz no fim do túnel para OHL Brasil - Daniele Camba
Valor Econômico - 19/10/2007
Acredito que afirmar que uma empresa é "experiente, sendo difícil acreditar que tenha errado as contas" não deve ser considerado. Uma empresa comete erros e o contrário não pode ser usado como argumento.
Um outro artigo, de Delfim Neto, questiona a diferença entre os resultados do leilão entre o atual governo e o anterior:
(...) A agressividade dos empresários espanhóis, de outro lado, deixa nossas concessionárias e o governo anterior numa tremenda “saia justa” para explicar os diferenciais gigantescos nos custos dos pedágios. (...)
Delfim Netto - Jornal do Commércio do Rio de Janeiro - 19/10/2007
Mas parece que a posição política do ex-ministro influenciou seus argumentos. Uma resposta decisiva foi dada pelo Valor Econômico: no modelo anterior quem pagava o investimento era o usuário; neste modelo, é a sociedade (os custos foram rateados pela população):
(...) O risco envolvido no modelo anterior, de privatização pelo maior preço, é o de má calibragem do pedágio, fixando-o em um nível muito elevado, com perdas para a sociedade. Já a alienação gratuita no novo modelo implica um subsídio ao usuário da rodovia, bancado pela população como um todo. Apesar de diversos agentes se beneficiarem da existência da rodovia, são seus usuários diretos os que mais ganham com ela. É, portanto, razoável que eles, além de pagarem pelo seu custo de manutenção, arquem também com parte do investimento envolvido em sua construção e, mais ainda, em sua ampliação.Grifo meu
As diferentes formas de privatizar
Valor Econômico - 18/10/2007
A seguir, o texto do Valor Econômico usa a falácia do custo perdido na argumentação:
O argumento de que uma vez construída a estrada seu custo de capital passa a ser irrelevante, o pedágio ótimo passando a ser determinado apenas pelo custo variável de manutenção, somente seria válido em mundo sem crescimento e novos investimentos. O raciocínio é equivalente ao de uma barragem geradora de energia. O custo de capital é elevado, mas o de operação é irrisório. Havendo crescimento, o valor que deve nortear a política de preços é a soma do custo de operação com o custo de capital, inclusive depreciação, do investimento. (...) Ou seja, o modelo anterior assegura mais recursos para o governo e para a expansão da malha rodoviária, onerando, porém, os usuários do serviço, beneficiados pelo modelo alternativo agora adotado, no qual os custos de expansão teriam de ser arcados pela sociedade como um todo. Logicamente, a escolha entre os dois é também política. Como a privatização é melhor do que a alternativa de controle governamental, este novo modelo pode ter a vantagem de torná-la mais palatável, uma vez que um grupo, no caso os usuários das rodovias, que recebe benefícios concentrados tende a ser mais vocalizado do que a população como um todo, cujos interesses são difusos e pouco perceptíveis. (...) Como é difícil explicar aos motoristas a diferença, que em alguns casos chega a 1.000%, entre valores de pedágio por quilômetro nas estradas privatizadas segundo os dois modelos, o contraste rende bons dividendos políticos para o governo.
E aproveitando a argumentação, a reportagem mostra a razão pelo valor da Vale do Rio Doce:
(...) No caso da Vale do Rio Doce, cuja privatização está sendo contestada por alguns juristas, parlamentares e entidades de classe, o preço em dólar de suas ações só veio a mudar de patamar a partir de 1999 e, somente a partir de 2001, ele começou a se descolar do Ibovespa. Isto é um forte indicador de que o valor pago ao governo em 1997 não foi baixo para a época e que a eficiência de gestão, aliada à subida de preços de minério de ferro de 2004 para cá, foi a grande responsável pela valorização da empresa. Mas não deixa de ser digno de nota que no caso de alienação de concessões de rodovias o modelo que maximiza a receita para o governo seja o anterior, o atual nada adicionando ao Tesouro. Há diferentes formas de privatizar e o importante é ter consciência do que elas implicam.A retomada da privatização é positiva, por seu efeito sobre a economia e porque mostra que o governo colocou o pragmatismo acima da ideologia. Bom sinal. Só resta torcer para que este mesmo princípio seja aplicado à extensa agenda de reformas, no momento ainda esquecida.