30.8.07

Se o capital próprio é mais caro, qual a razão da IPO?

Se capital próprio é mais caro, por que a empresa faz IPO?
Valor Econômico - 30/08/2007

Ter um professor que milita há 20 anos como profissional de mercado aguça a curiosidade de muitos jovens universitários sobre temas relacionados às finanças e às bolsas de valores. Invariavelmente, alguns alunos me fazem a seguinte pergunta: "Se os livros sugerem que o capital próprio é mais caro do que o capital de terceiros, por que tantas empresas estão vindo a mercado para abrir seus capitais?"A onda de IPOs em nosso país é avassaladora, alcançando, inclusive, setores que outrora nem supúnhamos tão atraentes, caso de construção civil, shopping centers e ensino. Somente no primeiro semestre de 2007, já alcançamos números superiores a todo o ano de 2006. E a percepção é de que não devemos parar por aqui, o que atesta que ingressamos, finalmente, numa economia capitalista moderna, com uso saudável do mercado de capitais como fonte de financiamento para as empresas, que passaram, por seu turno, a adotar boas práticas de governança corporativa.

Assim sendo, se uma das vantagens de se abrir o capital é ter o acesso à captação de recursos via novas subscrições, faz sentido a argumentação de meus alunos.Segundo trabalho da famosa dupla de financistas, Modigliani e Miller (datado de 1963), na medida em que fazer uso de dívidas implica em melhores fluxos financeiros, é de se esperar que a elevação planejada do nível de endividamento seja um objetivo da administração da empresa, pois beneficiaria seus acionistas. Isso decorre do chamado benefício fiscal da dívida, consubstanciado na dedução dos juros pagos pelos empréstimos da base de cálculo do imposto de renda. Em outras palavras, se a empresa é endividada irá pagar juros e terá um lucro líquido maior caso assim não fosse, tudo o mais constante.Eis que aparece, então, o ponto crucial: por que as empresas emitem ações e, mais ainda, qual o sentido de os acionistas "emprestarem" seus recursos a elas? Segundo a teoria tradicionalista, os investidores só aceitariam adquirir ações se acreditassem que iriam reaver, via dividendos, um valor superior ao que a empresa remuneraria seus credores com juros. Além dos dividendos esperados, esses compradores de ações ficarão igualmente felizes quando o preço dos papéis se valorizarem nas bolsas. Portanto, os administradores financeiros deveriam buscar, em tese, uma postura de gestão empresarial que maximize o valor de mercado da entidade, dada pela relação EBIT.(1- t)/WACC, onde: EBIT: lucro antes dos juros e do IR; t: alíquota do IR; WACC: custo médio ponderado do capital. Como para a atingir esse objetivo torna-se imperativo a minimização desse custo, deduz-se absolutamente relevante à otimização da estrutura de capital, ou seja, encontrar a melhor combinação percentual entre capital próprio e de terceiros. Mas será tão simples?Se uma empresa, por exemplo, consegue ir reduzindo os custos de suas novas dívidas e, por conseguinte, aumenta a participação delas na estrutura global, o acionista requererá maiores retornos. De modo análogo, se a qualidade do endividamento piora, o risco financeiro se eleva. Nesse caso, é defensável a emissão de ações. O problema é que, a partir de um determinado nível de alavancagem, os agentes de mercado se tornarão mais ou menos rigorosos na avaliação do risco da firma. Dependendo do grau de endividamento, irá surgir o risco de falência, ameaçando sua perenidade. Enfim, a questão é muitíssimo complexa.Falta responder à pergunta incômoda dos meus alunos. Os autores consagrados defendem as teses mais variadas, desde a questão da relevância ou não da distribuição de dividendos até o chamado "agency costs". Na minha visão, contudo, a razão para se captar por meio de capital próprio, apesar de mais oneroso, é (aqui sim) relativamente mais simples: poucas alternativas. Como captar milhões e milhões de reais de um par de bancos, por exemplo? Praticamente nenhuma instituição financeira arcaria com tamanha concentração de risco. Ademais, um aumento do nível de endividamento em largas proporções poderia acirrar o conflito de interesses entre acionistas e credores além do natural, sobretudo dos primeiros, que responderão com menores disposições para cacifar recursos adicionais. Assim, deverá haver, por parte dos credores, uma menor propensão à assunção de riscos em novos projetos de investimentos, com possíveis conseqüências danosas para o futuro da empresa. Resumindo, o capital próprio, comparativamente ao seu concorrente, é um verdadeiro porto seguro.

Alexandre Espírito Santo é chefe do Departamento de Economia e Finanças da ESPM-RJ e sócio da Avanti Gestão de Recursos