24.9.19

Avaliando um jogador

É difícil apurar o valor contabilístico dos jogadores da formação e até é possível que não tenham valor nenhum ou então apenas um valor residual. A probabilidade de João Félix ter valido contabilisticamente para o Benfica menos de dois milhões de euros é, por isso, muito forte. 

O ativo da Sport Lisboa e Benfica – SAD com maior valor de mercado será, por ventura, o plantel da equipa principal de futebol. Bastará pensar, por exemplo, na venda de João Félix [foto] que, em julho, trocou Lisboa pela capital espanhola para jogar no Atlético de Madrid, a troco de 126 milhões de euros. 

Apesar desta transferência milionária, a SAD benfiquista avaliou, no balanço, o plantel do ano passado em 80,246 milhões de euros, segundo o relatório e contas relativo ao exercício da época desportiva de 2018-2019, divulgado esta quarta-feira em comunicado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, tal como se pode ver logo na terceira página do documento, na rubrica “Ativos intangíveis – jogadores de futebol”. 

Naturalmente, qualquer adepto de futebol poderá questionar-se sobre este valor. Mas a contabilidade explica. 

Como são avaliados contabilisticamente os jogadores de futebol? 

De acordo com a Norma Contabilística e de Relato Financeiro 6 (NCRF 6) é considerado como um ativo intangível aquele que é “não monetário identificável sem substância física”. Isto é, não é o jogador físico que é o ativo, mas antes o seu passe. 

 Além disso, a NCRF 6 exige que os ativos intangíveis reunam três características. Têm de ser identificáveis, isto é, passíveis de identificação de forma a serem diferenciáveis de qualquer outro ativo, sob pena de não se poderem exercer sobre eles direitos de propriedade (os passes dos jogadores são da propriedade da Benfica SAD). 

 Devem ainda existir e ter proteção legal, e gerar benefícios económicos futuros, como por exemplo, créditos obtidos através de uma futura venda. 

 Uma vez reunidos estas características, os ativos intangíveis devem ser reconhecidos e mensurados no balanço da empresa. No caso da SAD do Benfica – e de qualquer outra sociedade desportiva que compre e venda passes de jogadores – o departamento de contabilidade deve registar o valor do passe do jogador. 

 No caso de aquisição de um ativo intangível, leia-se, no caso de compra de um jogador de futebol, é este o valor a reconhecer no balanço. Assim, por exemplo, quando o SL Benfica oficializou a compra do avançado Raúl de Tomás por 20 milhões de euros, deve reconhecê-lo com esse montante. A isto se chama de reconhecimento inicial. 

 Mas, regra geral, o ativo intangível terá de ser amortizado de forma a registar as perdas dos benefícios económicos que lhe estão associados. Salvo exceções previstas na NCRF 6, a amortização do passe dos jogadores de futebol segue o método da linha reta. Este método consiste em dividir o custo de aquisição deduzido do valor residual pelo número de períodos correspondente à sua vida útil. 

 Por exemplo, em julho a SAD do Benfica comprou o passe de Raúl de Tomás por 20 milhões de euros, que se comprometeu por cinco épocas, até 2024. Ao longo da duração do contrato, contabilisticamente, o passe do jogador vai sendo reduzido em quatro milhões de euros (20 milhões / 5 anos) todos os anos. Na segunda época, valerá 16 milhões, na terceira valerá 12 milhões, e assim por diante. 

 Os jogadores oriundos da formação têm, no entanto, um tratamento contabilístico dos jogadores comprados, porque são ativos gerados internamente pelo clube. 

 Regra geral, o valor dos jogadores da formação que são reconhecidos como ativos intangíveis deverá ser igual ao respectivo custo de produção, ou seja, o montante de todas as despesas incorridas desde a data em que é reconhecido no balanço, algo que é subjetivo. 

 É difícil apurar o valor contabilístico dos jogadores da formação e até é possível que não tenham valor nenhum ou então apenas um valor residual. A probabilidade de João Félix ter valido contabilisticamente para o Benfica menos de dois milhões de euros é, por isso, muito forte.

Fonte: Antônio Vasconcelos Moreira, Jornal Econômico

16.9.19

O múltiplo da Aramco

Há dias, o governo saudita nomeou Yasir Al Rumayyan como presidente do conselho da Aramco, a empresa estatal de petróleo, para tentar acelerar o processo de oferta pública de ação. Formado em Contabilidade, na Universidade Rei Faisal, tem MBA por Harvard. O projeto é colocar 1% das ações na bolsa até o final de 2019 e mais 1% em 2020. Baseado em uma avaliação da empresa de 2 trilhões de dólares, este percentual de 1% corresponde a 20 bilhões de dólares de captação. Os recursos seriam usados pelo reino para diversificar a economia.

 A abertura de capital seria em Riad e talvez Tóquio. Recentemente, a empresa conseguiu colocar 12 bilhões de dólares de um título internacional de dívida. Mas permanece a dúvida sobre o valor de 2 trilhões. Há um certo consenso que a estimativa é muito elevada. Parte deste valor é baseada no preço do petróleo.

O ataque de drones que prejudicaram a produção de petróleo pode aumentar o preço do petróleo. Isto poderia provocar um aumento no valor da empresa. Poderia, se fosse usado somente o múltiplo. As incertezas podem levar a mais questionamento sobre o valor estimado pelo governo saudita de 2 trilhões. Isto significa uma menor produção de petróleo. Além disto, aumenta o risco da geração de receitas futuras.

A principal métrica para a avaliação da empresa é o preço do petróleo . Embora o aumento de 20% do recurso após os ataques possa parecer positivo para os resultados da Aramco, existe uma preocupação considerável de que os riscos geopolíticos crescentes superem esse impacto. "O mais natural é que os prêmios de risco subam, o que reduziria a avaliação", disse uma autoridade ao WSJ. "Na avaliação atual, a Aramco não conta para ataques sérios como esses."

O aumento no risco pode resultar em um desconto adicional de 300 bilhões de dólares, reduzindo o valor da empresa para algo em torno de US$1,2 trilhão. Bem abaixo da estimativa de 2 trilhões.