21.12.17

Boeing mais Embraer

O jornal The Wall Street Journal divulgou que as empresas Boeing e Embraer estão em processo de negociação para uma futura aquisição por parte da companhia dos Estados Unidos. Enquanto a Boeing é forte no mercado de grandes aeronaves e aviões militares, a Embraer se destaca com aviões de pequeno porte. Ambas as empresas confirmaram a negociação.

A proposta da Boeing parece bastante vantajosa para os acionistas, em razão do elevado prêmio envolvido na transação. Como consequência, as ações da Embraer subiram mais de 10% no mercado acionário. Com uma grande geração de tecnologia, a Embraer é considerada a empresa que traduz o desenvolvimento da indústria brasileira. E este pode ser o grande problema para a negociação, já que o governo brasileiro tem direito a veto. Segundo as notícias, a Boeing poderia se comprometer a adotar algumas medidas para proteger alguns interesses relevantes para o acionista público.

Para a Boeing, o negócio seria uma reação natural de uma provável negociação entre a Airbus e a Bombardier. Assim, a complementariedade dos produtos e o fato das empresas já terem projetos conjuntos fazem com que os “analistas” lembrem da “sinergia”, como é comum neste momento. Isto tudo pode fazer com que o valor da empresa brasileira chegue a 15 bilhões de dólares.

18.12.17

Avaliação em empresas estatais

Um artigo mostrando como a avaliação de empresas pode ser usada para analisar a eficiência do setor público.

Esta pesquisa tem como propósito demonstrar como a ferramenta de avaliação de empresas, pelo método do fluxo de caixa descontado, pode ser utilizada com a finalidade de avaliar a qualidade dos gastos públicos realizados sob a forma de investimentos em empresas estatais. A pesquisa consistiu em um estudo de caso de uma empresa brasileira do setor de energia elétrica, a CEB Distribuição S.A., subsidiária integral de uma sociedade de economia mista. O valor da empresa foi calculado com base em premissas determinadas a partir da análise do desempenho histórico da entidade e projeções macroeconômicas obtidas de outras fontes. Ressalta-se que foram utilizadas somente informações disponíveis ao público. O valor obtido como resultado indica que a entidade analisada não está gerando o retorno financeiro desejável em vista dos recursos públicos nela investidos e permite inferir que o valor recuperável do investimento da controladora nessa empresa é menor do que o valor contábil reconhecido. Essa conclusão pode servir como guia de ação na área pública, pois demonstra a necessidade de melhoria da qualidade dos gastos públicos realizados na empresa analisada, situação que pode se estender a outras empresas estatais brasileiras. Desta forma, sugere-se que sejam realizadas pesquisas utilizando esta metodologia para analisar outras empresas estatais do país.

Leia o artigo aqui


AVALIAÇÃO DE EMPRESAS ESTATAIS E A EVIDENCIAÇÃO DA QUALIDADE DOS GASTOS PÚBLICOS: O caso da CEB Distribuição S.A. Amanda Guimarães Teixeira Silva Schmidt, César Augusto Tibúrcio Silva

19.11.17

Domínio Público e a Lei Disney

O dia 19 de novembro marcou o 89o. aniversário de Steamboat Willie, um curta-metragem em preto e branco estrelado por Mickey Mouse. Esta foi a animação sonora de maior sucesso da época e tornou o rato Mickey famoso em todo o mundo. Mas o site ProMarket, tomando os dizeres de Cory Doctorow lembra também que é sinônimo de extensão dos direitos autorais e o sucesso da empresa Walt Disney de manter o ratinho fora do domínio público.


A empresa Walt Disney, fundada em 1923, é uma multinacional de mídia, com produção de filmes, redes de televisão e parques temáticos. Touchstone, rede ABC, Disney Channel, ESPN, A+E, Pixar, Marvel e LucasFilm (Star Wars) são algumas das empresas e marcas associadas ao império Disney. No conjunto, receitas de 55 bilhões de dólares e quase 200 mil empregados.

Se Mickey entrasse em domínio público, outros personagens poderiam também ser explorados por qualquer empresa, como o Pateta (Goofy), Pluto, Donald, Branca de Neve, Dumbo e outros. O direito de exploração deveria terminar em 2024. Obviamente que a empresa está montando uma estratégia para impedir que isto ocorra ou ampliar o prazo.

Entretanto, conforme destaca o ProMarket, a proteção de direitos autorais estava programada originalmente para expirar os direitos autorais de Mickey Mouse em 1984. Mas o Congresso dos Estados Unidos mudou a lei com o Copyright Act de 1976 e extendeu o prazo para 2003. Já nos anos 90, a Disney começou o lobby para ampliar o prazo ainda mais. E gastou muito em dinheiro para obter o seu intento.

Através do Copyright Term Extension Act (CTEA) obteve uma extensão de vinte anos sobre os direitos autorais do ratinho Mickey. A lei ficou conhecida por alguns como Lei Disney, ou Mickey Mouse Protection Act. Muitos legisladores receberam dinheiro da empresa. A empresa fez um grande esforço para não divulgar como os seus lobistas trabalharam.

Diversos economistas famosos, incluindo Kenneth Arrow, Milton Friedman, George Akerlof, Ronald Coase e James Buchanan, argumentaram que a prorrogação não incentiva a produção de novas obras e a criatividade, incentivando o monopólio. A lei foi considerada constitucional e a Disney obteve o prazo de 2023 para esgotar os efeitos dos direitos autorais.

A dúvida é como a empresa irá conseguir manter a marca

11.11.17

Valor da Dor

Um estudo (aqui e aqui) tentou mensurar o valor da dor. Usando mais de 64 mil observações, entre 2008 a 2014, os três pesquisadores, sendo dois da Islândia e um dos Estados Unidos, concluíram que o valor para evitar a dor estaria entre 56 a 145 dólares por dia.

Uma forma de chegar a este valor seria fazer a pergunta: quanto você pagaria para evitar a dor? Mas a pergunta é tão bizarra que os resultados seriam ruins. Em lugar disto, eles usaram o seguinte método: compararam uma classificação de “satisfação de vida”, mensurada de 1 a 5, com o relato de dor crônica e a renda. O valor da dor aumenta com a renda da pessoa e com o nível de dor. Parece óbvio, mas não é.

8.11.17

Valor e Desempenho contábil

Veja os seguintes números do desempenho de uma empresa:
A empresa, com receitas de US$208 milhões e despesas acima de US$650 milhões, teve um prejuízo de 462 milhões. Bem ruim. Mas o valor de mercado é de 18 bilhões. Quando a IPO chegou perto dos 30 bilhões.

O que garante esta diferença entre o desempenho contábil e o valor de mercado é que o primeiro está baseado no passado, enquanto o segundo olha a capacidade potencial de gerar caixa no futuro. A empresa em questão é a Snap, bastante conhecida do público tecnológico. Mas será que ela vale 18 bilhões de dólares?

O gráfico abaixo mostra potenciais cenários para a empresa:

Na melhor das hipóteses, a receita poderá chegar a mais de 7 bilhões de dólares em 2020. Na pior situação seria 1,4 bilhão. O cenário otimista parece estar sendo considerado de forma mais persistente pelos investidores. Ou então, o receio de perder o próximo Facebook ou Google.

A empresa possui mais de 2 bilhões de caixa e queimou 200 milhões no trimestre. Em dez trimestres, neste ritmo, o caixa será zerado.

6.11.17

Valor Presente de Neymar

Quando foi anunciado a transferência do jogador Neymar para o PSG, por um valor de 222 milhões de euros, mais comissão do agente, Eran Yashiv escreveu texto interessante mostrando que isto poderia configurar uma bolha e uma falha do livre mercado.

Yashiv, da Tel Aviv University, partiu do seguinte raciocínio: o pagamento de 222 milhões deveria gerar um fluxo de caixa adicional para o novo clube, o PSG, necessário para cobrir os impostos e não gerar um valor presente líquido negativo. Para fazer seus cálculos ele considerou: um pagamento de 222 milhões de euros para o jogador, uma taxa de desconto de 1% ao ano e uma alíquota de 30% de impostos. Assim, para o clube, a equação é a seguinte:

-222 + FC /1,01 + FC / 1,0201 + FC / 1,0303 + FC / 1,0406 + FC / 1,051

O valor encontrado é após impostos e corresponde, aproximadamente, a 76 milhões de euros por ano. Isto representa o que o clube deve gerar em cinco anos de contrato com o jogador após impostos. Antes de impostos o valor é de 108 milhões de euros ou 76/0,7. Em 2016 a receita do clube foi de 521 milhões de euros. Assim, o valor a ser gerado pelo clube deveria aumentar em 21% para compensar o novo contrato.

Dois aspectos citados por Yashiv com respeito aos seus cálculos: ele está considerando um risco de lesão igual a zero e não estão sendo considerados nos cálculos a comissão do agente. A inclusão destes valores poderia aumentar a receita necessária para 150 milhões de euros. Isto faz sentido, assim como o fato da taxa de desconto, de 1% real, talvez esteja muito baixa.

Mas existem outros pontos a considerar. Em primeiro lugar, uma relação entre receita e marca mostra um múltiplo de 3,9. Entretanto, este múltiplo tem no PSG, justamente o clube que adquiriu Neymar, uma relação abaixo de 2: um valor da marca estimado em 840 para uma receita de 578 milhões. Assim, este contrato pode ajudar a melhorar o valor da marca, aumentando as receitas do clube.

O segundo aspecto corresponde a necessidade de comparar o valor do contrato com as projeções de receita. Um aumento de 21% para compensar o novo contrato talvez não seja difícil de alcançar com a presença do chamariz Neymar. Mas, por outro lado, um novo contrato pode implicar em aumento de custos nas renovações dos contratos dos atuais jogadores.

Terceiro, parece que a contratação de Neymar obedeceu também uma lógica política. Os proprietários do clube são vinculados ao governo do Catar, que tem interesse em reduzir a pressão para que a Copa do Mundo, que até o momento está programada para ser no país, mude de lugar. Mas isto não está no fluxo de caixa calculado e certamente é difícil de mensurar.

Finalmente, cabe discordar da conclusão do Yahiv, que critica uma enorme desigualdade nos salários, as armadilhas do mercado livre, a falta de barreiras de entrada e a necessidade que estes recursos sejam alocados em projetos socialmente valiosos.

5.11.17

Marca País

Em 2013 postamos que a marca "Brasil" foi avaliada como sendo a 8a do mundo, entre os diversos países. Resolvemos voltar e verificar o que ocorreu com a nossa marca nos últimos anos. Eis o resultado:

De oitavo para 18o. do mundo. Com um valor estimado de 800 bilhões de dólares. Em 2013 era 1,5 trilhão. Ou seja, perdemos "metade" da marca. Mas será que o problema não seria a avaliação?

14.10.17

Horizonte temporal na privatização

O valor de uma empresa é dado pelo fluxo de caixa futuro descontado pelo custo de oportunidade de capital. Uma das questões no processo de fazer a mensuração deste valor é quão longe deve ser o valor futuro. Ou seja, qual o horizonte de tempo que devemos considerar. Quando a empresa possui vida futura delimitada por um contrato, o correto seria considerar este horizonte temporal. Se o horizonte de tempo não estiver delimitado, o usual é considerar um fluxo de cinco ou dez anos (ou outro período de tempo qualquer) e ao final considerar um fluxo em perpetuidade.

No caso das concessões governamentais, a estimativa deve levar em consideração o prazo do contrato. Se estamos avaliando uma empresa que explora uma rodovia e o contrato possui mais oito anos, o horizonte de tempo será oito anos. Ao final deste período, a rodovia volta para o governo, que irá fazer um novo leilão. Mas o valor da empresa criada para explorar esta rodovia deve ser estimado considerando estes oito anos, mais o eventual valor residual, que irá corresponder ao pactuado no contrato de concessão.

Para o governo, transferir uma concessão para o setor privado envolve obter os recursos, que podem ser maiores se o objeto da exploração foi vantajoso ou não. O preço obtido no leilão pode aumentar se as regras forem claras, não existir contestação provável, o objeto de exploração pode gerar um fluxo de caixa futuro atrativo, entre outros aspectos. Ao fazer um leilão para concessão de um bem do governo, quanto maior a atratividade, maior o preço a ser obtido no leilão. Muitas vezes o governo chega a garantir fontes de financiamento a juros subsidiados como uma forma de atrair mais interessados.

A regra para obter um valor substancial num leilão é simples: melhorar, no máximo, a chance da concessão gerar um elevado fluxo de caixa futuro.

No processo de discussão sobre a oferta da Eletrobras anunciou-se que o governo estaria estudando aumentar o horizonte de tempo do contrato da usina Tucuruí (Fonte: Ritter, Daniel. Novo Contrato de Tucuruí torna-se decisivo para oferta da Eletrobras, Valor Econômico, 2 de outubro de 2017, B1). Originalmente o contrato termina em 2024. Neste ano, o governo teria que fazer um leilão para decidir quem iria explorar esta usina. Tucuruí é uma hidrelétrica muito importante para a Eletrobras: equivale a 8400 mW, mais que o dobro das quatro usinas que foram leiloadas recentemente pelo governo federal e que eram da Cemig. Se o processo sair em 2018, isto corresponde de 6 a 7 anos de exploração. A proposta, conforme divulgada na mídia, seria prorrogar por 30 anos a concessão. Seria um grande incentivo para atrair interessados.

A ideia possui uma transferência temporal de riqueza. Em lugar de receber recursos em 2024 numa eventual prorrogação da concessão, o governo antecipa deste recebimento. Isto seria muito interessante para um governo que está com dificuldades de fechar as contas públicas, neste ano e provavelmente no próximo.

Neste caso, para o eventual interessado em adquirir a Eletrobras, o horizonte temporal seriam os trinta anos de exploração de Tucuruí.

13.10.17

Lava-jato provocou negócios de R$103 bilhões

O portal G1 (via aqui) fez um interessante levantamento sobre os negócios realizados por empresas envolvidas na Operação Lava-Jato de 2015. O resultado: 48 negócios, muitos deles para melhorar posição da empresa diante da crise de credibilidade. Estas transações atingiram R$103 bilhões e envolveram a Petrobras, a JeF, a Odebrecht, a Camargo Corrêa, a OAS e o banco BTG Pactual.

Segundo o mesmo portal, existe a estimativa de outros R$75 bilhões serem negociados. Quando uma empresa tem seu nome envolvido num escândalo de corrupção, perde credibilidade, tem dificuldade de renovar seus empréstimos, reduz seu faturamento e tem seu lucro atual e projetado reduzido. Uma das providências nesta situação de crise é reduzir o tamanho e parar os projetos excessivamente otimistas. Ao mesmo, tentar garantir recursos para enfrentar uma situação de aperto de liquidez. Por este motivo, a venda de negócios pode ser uma saída interessante.

O aspecto negativo, em alguns casos, é que as operações podem afetar o resultado consolidado dos grupos empresariais: quando a negociação envolve unidades onde o resultado da venda é inferior ao valor contábil, isto tem reflexo na demonstração do resultado. Não foi o caso da Alpargatas. Em 2015 a empresa foi vendida para a JeF por R$2,66 bilhões. Logo depois, o grupo comprou mais R$500 milhões. Em 2017 a empresa foi vendida por R$3,5 bilhões. Isto resultou num resultado positivo - sem levar em conta eventuais lucros.

Mas o maior negócio até o momento foi a venda da Nova Transportadora do Sudeste - NTS (rede de gasodutos da Petrobras) para a canadense Brookfield, por R$ 16,7 bilhões. Em seguida, está a venda da Eldorado Celulose e Papel, pela J&F, para o grupo holandês Paper Excellence, por R$ 15 bilhões. A maior vendedora da lista é a Petrobras, que já levantou R$ 42,5 bilhões (US$ 13,6 bilhões na conta em dólares) em negócios fechados desde 2015.

28.9.17

Valor de um clube de futebol

A empresa de consultoria BDO anunciou os resultados dos clubes mais valiosos do Brasil. O Flamengo é considerado o clube mais valioso, com um valor “da marca” de R$1.693,8 milhões ou US$529 milhões, seguindo pelo Corinthians (1.594), Palmeiras (1.124), São Paulo (995), Grêmio (707), Internacional (627) e Atlético Mineiro (503).

Segundo o Valor Econômico, para “estimar esse valor, a consultoria BDO considera quase 40 indicadores, como receitas, tamanho e perfil da torcida e características econômicas da cidade-sede, por exemplo”. O valor deveria corresponde a possibilidade de geração de valor. Sabemos que os clubes brasileiros não são gerenciados com esta finalidade.

Usando os dados da Forbes, que também possui um cálculo de valor e divulga a receita de cada clube, fiz uma relação entre receita e valor. O resultado foi o seguinte:

Valor = 3,91158 Receita
R2 = 0,923
Fc = 228,368

Para os dois clubes temos 

Valor Flamengo = 624 milhões de dólares

Valor Corinthians = 593 milhões

Um pouco acima do valor encontrado pela BDO (+17% e +19% do valor). Parece existir uma coerência entre os resultados da Forbes e da BDO, imaginando que a diferença encontrada pode ser resultado do mercado consumidor brasileiro, que é menor que o Europeu. O valor de 3,912 seria o múltiplo ou 3,25, considerando um “desconto” do mercado brasileiro.

31.8.17

Em 22 anos a Eletrobras destruiu 562 bilhões de valor do acionista

A notícia da possibilidade de privatização da Eletrobras trouxe também a oportunidade de analisar o papel desempenhado pela entidade nos últimos anos. Para fazer isto, usei os dados da empresa de 1995 até 2016. Ou seja, minha análise contempla o início do processo de estabilização, a mudança drástica do setor promovida no governo Dilma e inclui o último resultado da empresa.

Método - Na minha análise utilizei o conceito de lucro econômico. Esta medida de desempenho nada mais é do que considerar, após o lucro contábil, uma remuneração mínima para os acionistas. Em termos gerais, é possível provar que no longo prazo o lucro econômico equivale ao fluxo de caixa descontado, que é o método mais defensável de mensuração de desempenho de uma entidade. Para um determinado exercício social, o lucro econômico é medido da seguinte forma:

Lucro Econômico = Lucro Contábil - Taxa de Desconto x Capital Investido pelo Acionista

O lucro contábil é obtido numa base de dados; no meu caso, eu usei os dados das demonstrações consolidadas disponível na Economática (gráfico abaixo). No capital investido pelo acionista foi utilizado o patrimônio líquido contábil, apresentado pela empresa nas suas demonstrações. Apesar de parecer estranho, a mensuração do lucro econômico realmente utiliza o valor apurado pela contabilidade. Como se deseja saber o valor do retorno obtido pelo investimento na empresa, o montante utilizado corresponde ao valor inicial.
Um problema típico deste tipo de avaliação é determinar a taxa de desconto. Uma vez que o principal acionista da empresa é o governo federal, considerei nos cálculos do custo de oportunidade do capital. Basicamente é preciso imaginar qual o uso alternativo do dinheiro investido na empresa. Assumi que o mais razoável seria a taxa Selic:


Como estamos comparando valores de épocas distintas, faz-se necessário considerar a inflação. Afinal, nos primeiros anos da série a inflação chegou a 22% e não usar valores constantes poderia dar uma visão distorcida do desempenho da empresa. Escolhi como inflator o IPCA, do IBGE, um índice que expressa a inflação brasileira bem melhor que o IGP, muito usado no mercado, ou índices específicos. Assim, todos os valores estão corrigidos para o final de 2016.

Agregando valor para a empresa - a expressão do lucro econômico mostra que a agregação de valor depende de três variáveis: o lucro contábil, o custo de oportunidade de capital e o valor investido. No período analisado, a empresa gerou lucro em quase todos: somente de 2012 a 2015 o resultado foi negativo em 31 bilhões de reais, nominais. Em termos reais, o resultado contábil corrigido foi de 45 bilhões de reais. Aparentemente nada ruim para uma empresa estatal.

 A segunda variável é o custo de oportunidade do capital. Quanto maior o custo, mais difícil é para a empresa conseguir agregar valor. Em razão das elevadas taxas da Selic dos primeiros anos, este custo de oportunidade apresentou um valor médio de 17,7%, nominais, sendo 7,57% ao ano o menor valor. Em termos reais, desde 2007 a taxa Selic ficou na casa de um dígito. Observe que quanto maior o custo da Selic, maior deve ser o lucro contábil para compensar o percentual.

A terceira variável é o capital investido. Durante o período a média do PL da empresa ficou em 66 bilhões de reais, sem considerar a inflação. Já quando se considera a inflação é possível observar um padrão nítido de descapitalização da empresa, conforme pode-se notar na figura abaixo. É verdade que o capital nominal sofreu uma forte redução nos últimos anos, passando de 77 bilhões no final de 2011 para 44 bilhões no último exercício social.

A redução do capital investido é boa em termos de agregação de valor: isto indicaria que os acionistas estão colocando menos recursos na empresa e continuam obtendo resultado. O problema é que a soma do lucro contábil obtido, da taxa Selic e do capital investido revela um resultado econômico ruim. O gráfico a seguir apresenta os números obtidos:


 Em nenhum exercício, a empresa foi capaz de gerar lucro econômico positivo. Vamos falar de outra forma: de 1995 a 2016 a Eletrobras só fez destruir valor. Em termos numéricos, isto significa uma destruição anual média corrigida de 25 bilhões de reais.

Observe que o gráfico possui a linha do zero no topo, indicando que todos os valores são negativos. Também é possível perceber que o desempenho de 1995 é claramente destoante; existe aqui uma explicação: a elevada taxa Selic, imposta no início do Plano Real. Assim, o número anterior está claramente influenciado pelo outlier de 1995. Veja o gráfico apresentado, sem o valor de 1995:


A média de destruição de valor anual foi de 20,8 bilhões de reais, corrigidos, sendo o melhor desempenho da empresa ocorrido em 2016.

Justificando a destruição de valor - Seria interessante verificar o efeito do lucro contábil, da taxa Selic e do capital investido no lucro econômico. O que queremos é tentar estabelecer o que foi mais relevante para a destruição de valor da empresa: o baixo desempenho do seu resultado contábil, o elevado custo de oportunidade do capital ou o montante excessivo de capital investido na empresa? Usamos aqui uma análise de correlação ao longo do período, retirando da série o ano de 1995.

Usando somente os valores nominais, a maior correlação foi com a Selic (-0,77). Já com valores sem o efeito da inflação, tanto o capital investido, quanto o custo de oportunidade do capital foram relevantes (-0,70 e -0,71).

Como estamos usando uma série histórica longa, uma questão surge naturalmente: qual a influência da pessoa que estava sentada na cadeira mais importante do Palácio do Planalto? Usando variáveis binárias para marcar os períodos do governo do PSDB, o governo Lula e Dilma, cheguei a uma constatação surpreendente: nenhum governo foi diretamente responsável pelos problemas da empresa. Mesmo no governo Dilma, com sua confusa mudança regulatória, a Eletrobras teve um desempenho diferente dos anos anteriores. Mesmo observando o gráfico acima, com a série histórica do lucro econômico corrigido, não podemos responsabilizar o PSDB pelo fracasso da empresa. (Se retirarmos os efeitos das decisões macroeconômicas, o resultado da empresa não apresenta diferença estatística)

A conclusão é a seguinte:

(a) a política não é uma variável relevante para explicar o desempenho da empresa;

(b) de 1995 a 2016, a Eletrobras destruiu valor para seu acionista no total de R$562 bilhões ou R$2.700 para cada brasileiro.

17.4.17

Aramco, governança e múltiplo

A Saudi Aramco (ou Aramco) é uma empresa da Arábia Saudita, que explora o petróleo e derivados daquele país. A empresa possui a maior reserva de petróleo do mundo, sendo também a maior produtora. Isto faz da empresa a maior do setor de petróleo e derivados. A empresa nasceu nos primórdios da exploração do petróleo na Arábia Saudita. Com a crise de 1973 e por conta do apoio do governo dos Estados Unidos a Israel, o governo daquele país começou a adquirir ações da empresa até que tomou o controle total em 1980, com 100% das ações.

Estima-se que a receita da empresa, em 2010, tenha sido de 311 bilhões de dólares ou 977 bilhões de reais na conversão atual (a receita da Petrobras é de 320 bilhões). Com 65 mil funcionários (a Petrobras possui 78 mil) e reservas de 260 bilhões de barris (ve1rsus 13 bilhões da empresa brasileira), produção de 12 milhões de barris por dia (versus 2,8 milhões), a empresa é um gigante no setor.
Quanto é o seu valor? A estimativa varia entre 1,25 trilhão a 10 trilhões de dólares, o que faz da empresa aquela de maior do mundo. Recentemente, o governo da Arábia Saudita anunciou a possibilidade de abrir o capital da empresa em 2018, vendendo 5% das ações. Aparentemente o governo daquele país pretende aumentar a participação do setor privado na economia, incluindo o mercado de capitais. Mas a bolsa da Arábia Saudita é pequena para comportar uma empresa avaliada em 2 trilhões de dólares por seus proprietários. Além disto, a participação dos investidores estrangeiros é reduzida naquele mercado (4%). Outro problema é a grande chance de existir preço diferenciado na privatização, onde os investidores locais receberiam um desconto.

Mas um ponto central é a questão da governança. Há dúvidas se os padrões sauditas de governança são adequados. Ao mesmo tempo, alguns mercados financeiros mundiais oferecem a possibilidade, para empresas internacionais, de abrir o capital sem cumprir padrões de governança local, o que seria um atrativo para a empresa saudita. Atualmente a empresa é supervisionada por um conselho de nove diretores, sendo três sem influência do governo.

Oferecendo 5% de uma empresa com valor de 2 trilhões de dólares, a oferta da Saudi Aramco seria a maior oferta pública de ações da história: 200 bilhões de dólareas. Mas um artigo de Gregory Brew questiona esta estimativa oficial. Este valor foi fruto da multiplicação do valor das reservas por US$ 8 por barril:

261 bilhões de barris x 8 = 2,1 trilhão.

(Por esta expressão, o valor da Petrobras seria 13 bilhões x 8 = 104 bilhões de dólares ou 327 bilhões de reais). Esta regra usada pelo governo para estimar o valor da empresa é falha. A Bloomberg (via aqui) usou o múltiplo para Rosneft (Rússia) e chegou a uma valor de 272 bilhões, versus 64 bilhões no valor de mercado. Até a ExxonMobil, uma empresa privada, seria supervalorizada com este múltiplo. E a Petrobras não vale 327 bilhões de reais.

Um estudo independente sugere um valor de 400 bilhões de dólares, que inclui no preço o fato da Saudi Aramco ser uma empresa estatal (e nós, brasileiros, sabemos como isto interfere no valor de uma empresa de petróleo). Além disto, como as demonstrações contábeis não são divulgadas, não se sabe a estrutura de custos da empresa. Não é possível saber sequer quanto são os impostos; as informações disponíveis informam que a empresa paga royalties sobre as receitas e imposto de 85% sobre o lucro. Este peso dos tributos possui impacto sobre o valor.

7.2.17

Governo e Laudo de Avaliação

Quando o governo decide repassar para a iniciativa privada a exploração de um serviço ou uma entidade, sob a forma de privatização, é usual utilizar da avaliação de empresas e dos seus métodos. São dois os objetivos do governo: garantir que o serviço seja ofertado - ou que a empresa permaneça em continuidade e gerando emprego - com a qualidade adequada e obter recursos que possam ser usados em outras atividades. O processo de alienação de um serviço ou um ativo precisa seguir algumas "regras" típicas do setor público, que inclui transparência do processo, certeza que o preço obtido foi adequado, entre outros fatores.

 Um aspecto relevante, que não existe numa operação de compra e venda da iniciativa privada, é que se tenha a continuidade ou até melhoria no serviço. Se uma rodovia é privatizada, o governo irá desejar que os usuários fiquem satisfeitos, já que isto ajuda a legitimar o processo. Assim, no processo de privatização estabelecem metas que devem ser cumpridas pela empresa vencedora. Em geral o processo de alienação é muito mais demorado que na iniciativa privada, já que existe um ritual que deve ser cumprido. Isto faz com que exista uma grande possibilidade de que os estudos preliminares que deram origem ao lance inicial do leilão fiquem defasados. Neste texto iremos destacar estes dois aspectos: a questão da defasagem dos laudos na área pública e a necessidade de garantir uma qualidade mínima do serviço privatizado.
  
Qualidade mínima - O governo brasileiro descobriu, da pior forma possível, que a privatização de serviços por valor mínimo pode ser perigosa. No governo Dilma, a burocracia federal resolveu fazer leilões de rodovias usando o menor lance. Funcionava da seguinte forma: a empresa interessada deveria gerenciar uma rodovia e fazer alguns melhoramentos futuros previstos no edital.

Para financiar estes gastos, o governo permite que a empresa cobre pedágios ao longo da estrada. A empresa é declarada vencedora quando fixar o menor preço possível deste pedágio. Suponha que esteja sendo privatizado um trecho rodoviário de 350 quilômetros, com a possibilidade de implantar cinco postos de pedágio, sendo necessários desembolsos de investimento para reformar trechos em estado precário e valores para conservação ao longo do contrato. A empresa faz uma análise, estimando o potencial de geração de receita de pedágio e confronta com a expectativa de despesa futura. Posteriormente calcula o valor presente do fluxo de caixa a ser gerado. Ao fazer a análise, a empresa deve levar em consideração os potenciais concorrentes. Fatores como a maldição do ganhador podem conduzir a um lance bastante reduzido, que pode ser inferior àquilo que seria razoável em termos de lance de um leilão. Nos leilões do governo tem ocorrido lances que tornam inviável a prestação de um serviço com qualidade mínima. Esta situação é politicamente desastrosa para o governo.

O governo agora está propondo uma forma de tentar resolver este problema (1). A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) está considerando impor uma regra no leilão onde quando menor o preço oferecido - em relação ao valor estipulado no laudo - maior a necessidade de integralização de capital. Esta proposta tem uma consequência imediata que é aumentar o valor do lance mínimo ganhador. E isto pode ser ruim para o usuário, que estará pagando mais por um serviço. A razão disto é simples: como a taxa de desconto é composta do custo do capital próprio (ke) e o custo do capital de terceiros (ki). Geralmente o Ke é bem maior que o Ki; ao impor uma necessidade de capital, aumenta-se a participação do capital próprio e, consequentemente, o custo ponderado de capital. Para compensar o efeito do aumento da taxa de desconto, a empresa deve aumentar o valor a ser cobrado no pedágio.

 Defasagem dos laudos - os laudos de avaliação de concessão de rodovias ou privatização de empresas estatais costumam ficar defasados em razão da lentidão do processo no governo. A necessidade de aprovação em diversos órgãos e a complexa costura política podem atrasar meses, aumentando a distância entre a data do laudo e o evento. É sempre bom lembrar que um laudo é feito numa data específica. As estimativas foram construídas a partir das informações existentes naquele momento. Por este motivo, é comum que a mudança no cenário econômico possa alterar a qualidade do laudo, assim como o valor mínimo (ou máximo, dependendo do tipo de alienação).

Notícia recente informa que o governo pretende leiloar quatro aeroportos (Salvador, Fortaleza, Florianópolis e Porto Alegre) tendo por base dados de final de 2015 (2). O clima econômico naquele momento era bem diferente do existente no início de 2017. O volume de passageiros em cada um dos aeroportos caiu e isto afeta a previsão futura de geração de receita, variável relevante para a determinação do preço. O risco que o governo corre é não aparecer candidato ou se ter lance único, sendo necessário rever o processo de leilão.

(1) RITTNER, Daniel. Leilões de rodovias ganham nova regra contra lance "irresponsável". Valor Econômico. 1 fev 2017, p. A2.
(2) WARTH, Anne; NAKAGAWA, Fernando. Aeroportos vão a leilão com menos passageiros. Estado de S Paulo, 4 fev 2017, p B4