5.11.06

Valor do Cliente

Valor do Cliente
Novas reportagens dos jornais mostram o valor do cliente para os bancos. A disputa pela conta salário dos governos estaduais é exemplo marcante disto. No passado orientei uma dissertação de mestrado, do mestre Alexandre Jatobá, sobre este assunto.

Aqui a primeira reportagem, do Valor de 9/10/2006:

Conta salário afeta venda de Besc e BEP
Alex Ribeiro


A nova conta salário, aprovada no mês passado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), cria mais uma dificuldade para a venda dos dois antigos bancos estaduais - hoje federalizados - que estão na fila de privatização, o de Santa Catarina e o do Piauí.

O principal ativo desses bancos é justamente a administração da folha de pagamento do funcionalismo dos Estados e de suas empresas. A privatização ainda não havia sido tocada porque há resistências políticas, sobretudo em Santa Catarina, e porque o Tesouro e o Banco Central negociavam com os Estados os contratos para manter o pagamento do funcionalismo nos bancos.

Com a nova conta salário, porém, os bancos perdem poder de mercado perante os clientes nos novos contratos que forem assinados a partir da resolução do CMN ou naqueles que forem renovados ou sofrerem alteração.

Os bancos deverão garantir isenção de tarifas para quem quiser sacar o salário na boca do caixa. Também vão ter que garantir a transferência automática e gratuita dos recursos para uma conta corrente apontada pelo cliente, no próprio banco em que ele recebe salário ou em uma instituição financeira concorrente.

O BC informou que ainda está fazendo a avaliação dos impactos da mudanças na legislação das contas salários, e que não irá se pronunciar enquanto não concluir esse trabalho.

Embora a nova conta salário retire parte do poder de mercado dos bancos, porém, não é esperado que ele seja completamente eliminado. No início da década de 1990, foi concedido aos funcionários públicos federais o direito de escolher o banco em que querem receber os salários, até então pago pelo Banco do Brasil. A instituição manteve, entretanto, a maior parte dos funcionários, e hoje responde por uma fatia de cerca de 90% do mercado.

A tendência é que, mesmo com as mudanças nas contas salários, os bancos que administram as folhas de pagamento do funcionalismo tenham vantagens para manter a clientela. Uma delas é a possibilidade de, diante do avanço de outros bancos, oferecer condições mais vantajosas para os clientes, cobrindo a oferta dos concorrentes.

Outra vantagem dos bancos estaduais na sua disputa pelos funcionários públicos é que sua rede de agências foi, em grande parte, desenhada para atender esse segmento da clientela. O BB, por exemplo, manteve a liderança de mercado graças a investimentos pesados em atendimento.

Concorrentes que porventura resolvam disputar esse nicho teriam que fazer grande investimento em ativos fixos para tomar mercado dos antigos bancos estaduais.

Os bancos de Santa Catarina e do Piauí são as duas últimas instituições financeiras socorridas pelo Programa de Incentivo à Redução do Setor Público no Sistema Financeiro Nacional (Proes) que aguardam privatização. O Tesouro concedeu empréstimos, com juros subsidiados, com o compromisso de que eles fossem privatizados ou extintos. No banco de Santa Catarina (Besc), a injeção foi de R$ 2,019 bilhões; no do Piauí (BEP), de R$ 145,88 milhões.

Em 2002, chegaram a ser lançados editais para a privatização desses dois bancos, mas o processo acabou suspenso dentro da disputa eleitoral daquele ano. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato à Presidência, assumiu o compromisso de não vender o banco, juntamente com o governador Luiz Henrique (PMDB), então seu aliado. Neste ano, os compromissos foram renovados, embora estejam em palanques diferentes.

O governo de Santa Catarina chegou a ameaçar, neste ano, com a retirada do pagamento do funcionalismo do Besc. O BC sustenta, porém, que o Estado está obrigado a mantê-las até que seja concluída a privatização.

No Piauí, o governador Wellington Dias (PT), reeleito, também impunha restrições à venda. Isso não impediu que ele abrisse negociações com o Tesouro uma solução para a venda do banco, que envolveria a transferência de recursos para o Estado e a abertura de uma instituição financeira de fomento. Em troca, o Estado manteria o pagamento dos funcionários no BEP.

A seguir, reportagem do Valor Econômico, de 01/11/2006, sobre o assunto na Nossa Caixa:

Nossa Caixa conquista servidores estaduais

Maria Christina Carvalho

O presidente da Nossa Caixa, Carlos Eduardo Monteiro, deve pagar uma rodada de chope para a diretoria do banco nesta semana. Foi a comemoração prometida para o dia em que o número de funcionários públicos que abriram conta corrente na Nossa Caixa superar o daqueles que ainda não o fizeram.

Os números são acompanhados diariamente por Monteiro, no Placar da Migração. O sistema on line identifica o movimento, gerência por gerência, desde julho, quando o governo paulista divulgou decreto orientando os funcionários públicos estaduais a abrirem conta na Nossa Caixa escalonadamente, conforme o último número da identidade, até o final de novembro. Algumas agências, em sistema de rodízio, estão sendo abertas aos sábados apenas para facilitar essa providência.

A abertura de conta é necessária porque os funcionários públicos terão o crédito dos salários transferidos do Santander Banespa para a Nossa Caixa, controlada pelo Estado, a partir de janeiro. As regras estavam previstas desde que o Santander Banespa foi privatizado, em 2000.
Nesse momento, a Nossa Caixa também passou a ser o agente financeiro do governo do Estado de São Paulo, isto é, o único banco oficial do Estado, concentrando todas as contas do governo, os repasses para prefeituras e o pagamento de fornecedores.

No Placar da Migração de ontem, o número de funcionários "migrados", isto é, daqueles que já abriram conta desde que o decreto estadual foi divulgado, chegou a 330.496. Pelo placar, faltam 317.805 a migrar.

No total, o Banco Nossa Caixa já contabiliza 846.222 contas correntes de funcionários públicos. O número de funcionários estaduais que tem conta apenas no Santander Banespa seria de 317.805.

Os dados apresentados pelo Santander Banespa são praticamente opostos: o banco comprado pelos espanhóis teria 860 mil contas correntes de funcionários públicos e receberiam pela Nossa Caixa cerca de 230 mil que, desde a privatização, já tiveram o crédito de salário transferido para o banco estadual, como funcionários de empresas da administração indireta.

A divergência de números faz parte da verdadeira guerra que os dois bancos estão travando pelas contas dos funcionários públicos de São Paulo.

O alvo são 1,1 milhão de pessoas com renda média mensal de R$ 1,6 mil, o que significa que movimentam perto de R$ 1,8 bilhão por mês. Mais do que isso são clientes com emprego estável e salário certo. O bolo cobiçado inclui cerca de 200 mil aposentados, 180 mil professores do ensino médio e 5 mil universitários e 170 mil policiais. Há segmentos menos numerosos, mas com rendimentos mais elevados como os 35 mil funcionários do Judiciário e fiscais de renda.

Para o Santander Banespa, o grupo de 860 mil representa 12,5% da carteira total de 6,9 milhões de clientes. Para a Nossa Caixa, 17,6% do total de 4,9 milhões de clientes.

Nessa guerra, o Santander Banespa insiste que os funcionários públicos apenas precisam pedir uma conta salário na Nossa Caixa para receber seus proventos. Já a Nossa Caixa afirma que a abertura de conta corrente é necessária e foi determinada em decreto estadual número 50.964, de 18 de julho, e argumenta que conta salário nem está totalmente regulamentada.

Antonio Carlos Figueiredo, coordenador do grupo de trabalho criado pelo governo estadual para cuidar do processo de transferência da folha de pagamento dos funcionários públicos, afirma que a posição do governo estadual é clara: os funcionários públicos precisam abrir conta corrente na Nossa Caixa para receber os salários pagos a partir de janeiro. Quem não tiver a conta corrente aberta, receberá o dinheiro creditado em uma conta provisória, próxima de sua residência, mas só poderá movimenta-lo após ter a conta corrente.

Pelos cálculos de Figueiredo, ainda não abriram conta na Nossa Caixa cerca de 200 mil funcionários públicos - número também diferente dos apresentados pelos bancos. Há ainda um mês para tomar essa providência.

Para ele, os funcionários públicos devem cumprir o decreto estadual e ver o acontece a partir de janeiro, quando, espera-se, a conta salário estará integralmente regulamentada. "A partir daí será um problema de disputa de mercado", afirmou.

O Santander Banespa promete isenção eterna de tarifas aos funcionários públicos, por exemplo. A Nossa Caixa está isentando de tarifa as contas abertas mas esse benefício, em princípio, acaba em março. "A Nossa Caixa terá que fazer outras coisas para cativar os clientes", disse Figueiredo.

"Não temos um pacote de bondades para o apagar das luzes. Nossas tarifas para os funcionários públicos já são preferenciais, 25% em média mais baratas do que para o cliente comum", disse o presidente da Nossa Caixa.

Outro ponto de disputa são os juros. Na semana passada, o Santander anunciou uma linha de crédito pessoal para funcionários públicos com taxa de 1,99% ao mês e prazo de até 48 meses, limitada a R$ 4 mil por cliente. Já a Nossa Caixa afirma que cobra no crédito pessoal consignado em folha de pagamento de 1,70% a 2,90% ao mês, com prazo de seis a 48 meses. No consignado, o Santander vai até 72 meses. Mas só pode oferecer essa linha a funcionários do Judiciário porque só o banco estadual está autorizado a conceder crédito consignado a funcionário público.

Há ainda a questão da rede de atendimento. Se o Santander conta com cerca de 2 mil pontos em todo o país e 50 mil máquinas de auto-atendimento próprias e em parcerias e R$ 2 bilhões em investimento em tecnologia, a Nossa Caixa luta para desfazer a imagem de banco defasado tecnicamente. Sua rede cobre 645 municípios paulistas, com 1.731 pontos e 1.158 correspondentes bancários. Fora de São Paulo, tem sete agências (Belo Horizonte, Uberlândia, Curitiba, Londrina, Campo Grande, Rio de Janeiro e Brasília). Conta com cerca de 3 mil máquinas de auto-atendimento, além dos 2,8 mil terminais do Banco24Horas e da Rede Verde-Amarela, das quais o Santander também participa.